quarta-feira, maio 10, 2006

Piriquê II

Alguém tenta tirar uma fotografia ao garoto. É que o petiz cativa! Assemelha-se, até, a uma espécie de cliché de cinema. Mas apenas visto, assim, de perto! Bem de perto. Não fala muito! O que tem a menos de conversador, compensa na observação. É um pequeno curioso. Gosta de olhar. Tem o olho esperto. Vivo! Malandro e pueril!
O pai acabou de arranjar as ostras. Vai entregar para o casal de namorados que se espraia sobre a espreguiçadeira de madeira. Sob o sol fraco; tímido. O prato está ornado de limão e saliências cinzentas; de relevo insinuante.
A areia desliza sobre os pés e o pai de Piriquê curva-se em espécie de reverência. O casal pergunta a dívida. O homem faz um desenho na areia, para explicar ao casal o preço das ostras. Não dá para ter desconto. O preço já está em conta, argumenta. Eles ainda regateiam. Mas o homem velho de mãos secas e rugosas não cede, porque não pode. Vê-se nos olhos. E no balançar do corpo inquieto.
Ele volta ao pequeno balcão. Vai almoçar, finalmente, recolhido por baixo de uma esplanada de madeira, que deixa os pilares à vista. Parece uma espécie de refúgio de pontão marítimo. Piriquê debruça-se novamente sobre o balcão das ostras. Agora os irmãos ajudam. Ele fala mais. É autoritário, o garoto, afinal! Tem voz acentuda. Respondão. Pega na faca e corta as ostras. Uma a uma! A cara está cheia de areia, sob o rosto negro. Mescla-se com a tez escura, numa simbiose de constrastes. Ele não parece importar-se. Não se incomoda. Observa a perícia do irmão mais velho (pouco!) a tirar a ostra, que desliza numa dança gelatinosa sobre a faca. Quer imitar! Ensaia uma tentativa e espera a conquista!
Vanessa Rodrigues @ copyright
Nota: este conto inédito é a continuação de um outro - Piriquê I- já aqui publicado anteriormente.

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