terça-feira, fevereiro 01, 2011

O Ivan Ilitch que há em nós



Aconteceu-me tropeçar neste pequeno livro do russo Tolstoi há umas semanas, enquanto procurava outros ânimos para desafiar a avidez literária que se tem instalado nesta mente: “A morte de Ivan Ilitch” editado pela Leya (tradução de António Pescada, 2008) e nas estantes da Fnac por 5,95 euros, com prefácio de António Lobo Antunes.

Recordo-me que já tinha ouvido falar algumas vezes deste pequeno manual de sobrevivência para a vida, ou lenta valsa para a morte. Discutível. Deixemos, por isso, a Academia de lado e vamos à percepção pessoal.

Quando li o preâmbulo de Lobo Antunes “tudo o que somos se acha em poucas páginas, escrito de uma forma magistral”, achei a pungência e arrebatamento prosaicos demasiado exagerados, embora, Lobo Antunes tenha em seu abono não o fazer nunca gratuitamente. Tinha de haver um benefício de dúvida, portanto.

Ali, a história começa com a morte e termina com a morte. Tolstoi mexe no lixo que habita dentro de uma certa condição humana: a ganância, vileza, indiferença, egoísmo, ignobilidade, fraqueza de carácter nas suas diversas estruturas, ainda que diversas vezes escondidas; e leva-nos ao ponto onde Ivan Illicth começa a morrer: quando quer mais do que precisa; e começa a perceber o sentido da vida, quando já é tarde de mais.

E, mais: a incapacidade do outro perante a nossa dor é, na verdade, sofrimento maior. "Não era possível enganar-se: qualquer coisa de horrível se passava no interior de Ivan Ilitch, qualquer coisa nova e mais importante  do que tudo  o que antes acontecera na sua vida. E só ele o sabia, todos aqueles que o rodeavam não compreendiam ou não queriam compreender e pensavam que tudo no mundo continuava como antes". A rotação do nosso mundo em elipse perante o fim.  

Acho que, também por isso, Lobo Antunes se refere a “tudo o que somos”: ao Ivan Illicth que, inevitavelmente, há dentro de nós. A mesma linha de moralidade e condição humana que encontramos nos escritos de Fiódor Dostoiévski e, um pouco, nos do francês Albert Camus. A verdade: o homem nasceu para fracassar, alheio à passagem do tempo e à inevitabilidade do movimento das coisas que nos tornam, isso, sim, perecíveis aos outros. Em erosão contínua.

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