quinta-feira, fevereiro 17, 2011

A conspiração brasileira

Acho que estou a ser seguida. Evito olhar para trás, para me aliviar de uma certa paranóia, mas começo a desfazer as dúvidas, como se esmagasse conchas nas mãos. Sinto suores frios, ventos pessoais, arrepios na espinha e borboletas no estômago.

Há uma conspiração contra mim, digna das mais exímias investigações policiais. Não se pode, por isso, integrar na equipa aspirantes a inspectores da PJ ou detectives amadores, por mais conceituados que sejam - e mesmo já consgrados pelos jornais, nas páginas dos classificados. Alguém me acuda! 

Sim, há, pois, uma conspiração brasileira contra mim. A todo o lado que vou, há brasilidade a espreitar-me. No metro do Porto, sempre há uma conversa com gingado na Língua, na rua, haverá de aparecer um suor a "tudo bom, por gentileza" a perguntar-me as horas; o filme "Palavra e Utopia" (Manoel de Oliveira) de ontem era sobre o Padre António Vieira, no Brasil (com o Lima Duarte quase no leito derradeiro); o meu irmão insiste em fazer um sotaque retumbante e ridículo à hora de jantar para dizer que sabe falar português do Brasil e, de vez em quando, ainda me saem uns gingaditos sambados da boca. Oi?

Mas o caso mais crónico que prova a teoria da conspiração brasileira foi há mais de um mês. É como a jabuticaba: só é boa, quando amadurece. A percepção das coisas é como a fruta. Era manhã a meio, alguma chuva, a estação da Trindade quase vazia, eu sentada nos frios bancos de granito, quase no fim da linha da estação a já querer ser Lapa, e um senhor de madura idade a arrastar os pés na minha direcção. Como ele se aproximasse e foi como que sentisse que ele haveria de me dirigir palavra.

Veio, vagarosamente e perguntou-me se o metro para a Póvoa ainda ia demorar. Expliquei-lhe que não sabia dizer, que o placard anunciava os próximos metros, dissertou um pouco sobre como antes era possível ver os horários dos comboios e agora não, mas que o metro era uma coisa boa. Falou que estava mais lento desde uma operação. Que convalescia. Até que lhe ocorreu comparar o metro do Porto ao METRO de São Paulo (estão a ver, né? Qual era a probabilidade de um senhor de tenra idade me falar do metro de Sampa, onde vivi 5 anos? "Aqui há gato", pensei.)

- Como?
- O metro de São Paulo. É enorme. O do Rio também. Gosto muito de andar no do Rio, mas o de São Paulo é muito grande.

Ainda meio aturdida, condescendi a conversa. Dei trela.

-Conhece bem São Paulo?
- Então não? Os meus filhos moram lá. Volta-e-meia lá vou eu. Duas vezes, por ano, claro, que depois vêm eles.
-Ah, bom! É que eu morei 5 anos em São Paulo.
- Não me diga! Olhe que coincidência.

(Aqui, confesso, tentei descortinar através de métodos psicológicos de observação, para aferir o quão espontânea era esta reacção e perceber se desvelava a mando de quem aquele idoso me espiava e seguia, ainda que a passos lentos.)

- Sim, pertinho do centro.
-Ah, onde?
- Morei em tantos sítios que é difícil enumerar, mas recentemente estava perto da Avenida Paulista. Mas já morei em Vila Madalena, Perdizes, Pinheiros, no...
- Ah os meus filhos moram em Pinheiros, bom bairro. Até acho que me lembro da rua é qualquer coisa com Valente. O Calote Valente? Valente...

Já meia desconfiada por aquela cabala se estar a unir numa espécie de dose a mais de coincidências deixei que ele encontrasse lá o nome, não fosse eu influenciar a solução, desviando-a da verdade...Até que..

-É isso. Já me lembrei: Rua Capote Valente....
- Ah, que giro. Também morei na Capote, mesmo do lado...
- Da praça Benedito Calixto...

A teia estava montada. Se houver um Rubem Fonseca ou Garcia-Roza disponíveis, que venham em meu auxílio...

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