segunda-feira, maio 23, 2011

Xaiane, a prometida (2º episódio e remasterizado)

Não é um filme do Kusturica, mas eu até gostaria. Depois da conversa, com certeza, viria a banda. Assim, com muita confusão, música e pratos em todas as esquinas, gatos pretos e brancos, linhas do comboio disfuncionais, como famílias desalinhadas. Ou é sempre tudo mediante a dependência da casa para a qual estamos a olhar. De qualquer maneira, agora que penso nisto: Kusturica e Bram Stoker juntos, deve dar algo parecido com isto. 

Voltei a encontrar a Xaiane no metro, desta vez, já em marcha (por defeito auditivo da autora deste blogue ouvi e anotei, por isso, o nome errado como sendo Charane, pela primeira vez, quando agora, rectificado na voz da pequena posso saber que se trata de Xaiane). Já fez oito. Não se lembra de nada do Mandarim de Eça de Queirós que me perguntou. Não se lembra de mim, porque mete conversa com toda a gente. Se não fosse eu, haveria de ser a miúda da diagonal, de óculos de sol escuros, a fingir que não está nem a ver, nem a ouvir. Está ali, mas não está, zombie pacífica sem sede de vida.

A mãe de Xaiane continuava de ouvido colado ao telemóvel, tal como da primeira vez, impondo encontro a alguém, apenas interrompendo a conversa para um: 

- "não chateiiiss a sinhóra", 

seguido de um pontapé de Xaiane, certeiro no joelho da mãe para mandá-la calar; embora a progenitora ainda lhe tenha ameaçado um bufardo. Educação pela mão pesada, deverá ser, ou educação pelo futebol, que isto de pontapés andamos nós prós, em campeonatos europeus e nacionais, ultimamente. Nada contra. Cada um sabe da sua arbitragem, desde que não esteja fora de jogo, acima da linha do defesa, para que possamos, ainda, dar pinotes em campo, evitando amarelos e vermelhos.

A naifa: não é, mas é como se fosse. Era um canivete enferrujado na mão de Xaiane. 

- Olha. Olha, Vê: furei o banco. 

E furou. E perguntou-me se o penso no meu braço foi porque levei uma pica: outra espécie de furo. Sim, Xaiane, uma vacina para mulheres. Um dia também vais levar. 

- Não preciso, tenho meu boletim com todas.

E ela tinha base-mulher na cara. Verniz cinzento a descascar nas unhas. E, sim, tem irmãs. Uma delas emprestou-lhe a base. Ela nunca lhe emprestou nada, mas já lhe deu um perfume, porque é "muito pequena" para o usar. 

- Não achas?

- Não sei Xaiane: tu achas?

- Acho sim.

- E a base que tens na cara?

-É só um creme com cor. Não faz mal. 

- E a tua irmã gostou do perfume?

- Agora não, não pode. Está grávida. Assim com a barriga, olha: redonda. Ela já é mulher. Tem 15 anos.

- E a que gostas de brincar?

- Não gosto. Vejo a Lua Vermelha. tu vês? Ah, vou-te contar o que aconteceu, então. Tem vampiros, que chupam sangue.  

A banda deveria estar mesmo a chegar, mas entretanto, tive de sair, na Casa da Música.

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