domingo, julho 10, 2011

Um passaporte e La Tripla Frontera

A Laura achou melhor que mal eu chegasse a Foz de Iguaçu apanhasse um autocarro para ir às Cataratas. 


Pôr-do-sol a marcar fim de tarde, poupar tempo e, afinal, uma mochila com máquina fotográfica, três pares de cuecas e uma muda de roupa, não haveria de pesar até ali. 

Os cacifes resolveriam o problema e a única coisa que carreguei, além da máquina para caçar imagens no Parque de Iguaçu, lado brasileiro (da janela-miradouro vê-se a Argentina), foi a minha ideia das Cataratas: um Niagara em miniatura, sem nunca ter estado antes nem num lado, nem no outro. 

Hordas de turistas e uma fila pica-o-bilhete marcaram de imediato a minha ideia daquilo. Parque para turista ver. Eu sem paciência. Paciência sem mim. Mas já que ali estava, ao menos pudessem os meus olhos despir as afamadas Cataratas. 


Veio o guia dizer que as fotos eram melhores de lá de baixo dos barcos. E dava para ir a pé? Não. E o bilhete incluía a visita? Não. Então como queria ele que eu tirasse fotos lá em baixo ? Por 400 reais, cerca de 180 euros, teria os melhores cartões-postais na minha câmara. 

- "E está cheia de sorte, porque o meu grupo vai sair agora?". 

Por 400 reais, pensei, comprei bilhete de ida e volta de avião São Paulo-Foz, paguei as 4 noites de alojamento e ainda me sobraram uns trocos para comer. Voilá. 


- Obrigada, mas não estou interessada! Boa viagem para si! 

Carrancudo, virou-me costas. E eu fiz zoom in para o lado argentino...

Pôr-do-sol, um sumo de abacaxi por 6 euros, mochila e autocarro de volta. A casa da Laura é uma velha vivenda com quartos para alugar. O Guia Michelin diz que é o lugar mais acolhedor de Foz. Qualidade-preço! Na internet, vários turistas foram-se embora deslumbrados. Os comentários ali estão entusiasmados. Um deles, um alemão, nunca mais voltou. Casou-se com uma brasileira. Ali ficou ancorado em Foz. 

A casa tem micro-ondas, frigorífico, televisão, e uma campaínha para anunciar quem chega. Um longo e enferrujado portão de ferro. Desliza.

- Pensei que não vinha mais!

Ela quer conversa. Eu quero descanso. 

Vence o elo mais forte: - venha, venha, menina, você tem de ir ao Paraguai. Fomos lá hoje, olhe só o que eu comprei: batôns de várias cores, escolha um: eu ofereço...;

- Eu, eu....

_ Vá, não seja tímida, escolha um. Olhe este roxo na minha mão, demais. O preto, oh, não é mesmo preto; veja, comprei duas perucas, mudo sempre de visual; e óculos, olhe esta armação; e estes bolinhos, prove um...

- Eu, eu...

- Vá, prove! Não seja tímida...

Está nesta excitação, quer mostrar-me tudo o que é o mundo dela, talvez jogar cartas, ver televisão, ouvir-lhe as histórias do dia em que a aquela casa (a mesma onde dormirei, num quarto lá ao fundo) foi tomada por um bando de criminosos, fugidos da prisão de Mato Grosso do Sul. Fizeram-na de refém e ela, inabalável, como se nada se passasse, ia às compras de sorriso nos lábios...

- Eu, eu, só queria descansar um pouco, por favor, antes de jantar. Estou muito cansada da viagem e tive hoje demasiada informação para um só dia..

-Claro, mas você tem de ir ao Paraguai. É uma loucura. Você pega o ônibus, sai nas lojas, tem várias, dezenas, centenas, é só escolher, o que tem de eletrônicos, menina!!!...

É o paraíso fiscal, é a maravilha do contrabando; é o povo feliz com quinquilharia a atravessar a ponte da Amizade. E eu sozinha, na casa que já foi tomada por criminosos, sem mais hóspedes. À noite, tiros que vêm do rio Paraguai. 

Isto é o mundo em Foz de Iguaçu, em Ciudad del Este, em Iguazu. A tripla fronteira é uma realidade que, nestes moldes, nenhuma ficção a tornaria tão normal.

Amanhã: passo a fronteira para Iguazu, mas é como se nunca tivesse saído do Brasil. Não há carimbos. Poderia dali evadir-me sem deixar rasto... É um bom lugar para nos escondermos. É um bom lugar para ir às compras, como se nada se passasse, enquanto guardamos em casa foragidos da justiça...

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