quarta-feira, outubro 26, 2011

Agora, sim, é oficial: Politikós - Acordo semântico para menos entendermos e o contra-ataque com sinal vital

1. Fogueira de Vaidades, a lenha com que nos queimamos


Vejo o Primeiro a sair penteado da reunião de seis horas do Conselho de Estado (esperemos que a austeridade não tenha chegado aos cortes no café, porque o excitante sempre ajuda à escassa lucidez, embora eu até acredite que o tempo destes pensadores passa, concentrado em argumentos para mais um filmes desta nossa pornografia diária), seguido de um grupo de meninos igualmente bem vestidos, uma espécie de Conselho Directivo escolar a preparar-se para comunicar aos alunos mau-comportados (nós, claro) que temos de ser meninos bonitos, a balir, porque não há outra solução para o encerramento da escola por falta de verbas que a anterior gestão desviou para a famosa e já turística ilha do buraco negro. Tanta física quântica para as nossas cabeças, ou a Madeira é a sede da multinacional.

Vejo, ainda, o Primeiro a chegar sorridente à Cimeira Europeia, a espartana Merkel com cara de Viking a sentar-se apressada (deve ser crise de intestinos que é o que dá ingerir tanta salsicha enlatada, por estes dias); Berlusconi, esse Narciso a querer ser Apolo, e a precisar de mais silicone pois a testa anda enrugada; Sarkozy, igualmente bem-vestido com a máscara do Kouros, enquanto por dentro vai despido e hirto de preocupação... E se a Grécia berço da nação está em crise , hão-de os filhos adoptivos resvalar em massa (italiana) numa cinza vesusiviana.

Vejo, pois, a oposição socialista a apelidar de Quelone (tradução minha), deusa da preguiça, o executivo português e outros políticos vociferantes: este orçamento, estas medidas e esta gestão é toda uma chantagem psicológica: "ou isto ou a hecatombe". Catrapum! Ainda aqui estamos. Mas precisamos de fôlego!

2. O museu da Palavra, tradução em várias línguas, inclusive Esperanto


Não reivindicamos o Paraíso, embora devêssemos, mas esta legião de portugueses, ao que me diz respeito, devia ganhar um prémio de consolação ao menos de masoquismo, por já saber lidar com o enxofre. Como somos espartanos, isso sim, neste sofrer engasgado e crentes devotos (porque temos de ouvir para saber as regras de jogo, que todos os dias mudam) sempre que essa espécie abre a boca para nos corromper, ainda mais um pedaço. Que by the way vem do latim, dando uso ao meu velho e corrompido dicionário: "futuere", sim foder. É escavar, é entrar bem fundo, é toda um esventrar violento. E a retórica é violência simbólica suficiente para nos profanar.

E, agora, senhoras e senhores: 

a elasticidade da semântica dos nossos dias e a arte do logro como pão nosso...: a palavra de um homem é um fosso. E as palavras jogos ilusórios... e isto nada tem que ver com o acordo ortográfico. 

a) Direitos adquiridos? Ah, isso! O que é? Foi a primeira coisa que me ocorreu, em voz alta, quando mais cortes e mais cortes vieram: não haverá nenhuma lei que impeça o retrocesso de direitos adquiridos, assim, vários de uma vez? E a porra da democracia, dos direitos fundamentais, isso... E deveria haver outra lei que punisse os mentirosos. Que lhes cortasse a língua. Olho por olho, dente por dente. Ao menos isso seria um serviço público e ao público. 

E já que falamos em corrupção semântica: em que a palavra evolui acompanhando a imoralidade do que significa, degenerando num abismo o sentido original, ocorre-me - mas já alguém se há-de ter lembrado disto - amassar toda uma classe de moral enlameada:

b) Politikós - substantivo andrógino, permeável e sem quaisquer resquícios de neutralidade. O termo evoluiu de adjectivo, distanciando da significação de raiz - "relativo aos cidadãos", para passar a designar uma ocupação "tachista", claramente seguidor da técnica abstracta surgida em 1950, em que a cor aplicada forma manchas. Eu diria nódoas, qual teste de Rorschach, de auto-expressão e sempre com hipóteses projectistas, dúbidas, nubladas, com uivos que nos criam imagens turvas, ora fazendo dos cidadãos burros involuntários, ratos amestrados, felinos amansados, ora roubando o mais elementar: a dignidade. Que solução temos? A Ágora? Controlada pelo sistema de uma polícia que bate?

3. Juízo final, mas até lá, com sorte, estaremos todos enterrados


Por muito mau que seja o cenário, tem de haver um carpinteiro que veja como melhorar as estruturas cénicas para perceber e projectar por que razão temos de fazer dieta anoréctica, auto-inflingindo alguma bulimia. Pedem-nos sacrifício, sacrifício, sacrifício. A União Europeia, o primeiro, o PR, o Conselho de Estado. Pedem e nada nos dão. Comem tudo, não deixam nada e, pior, não nos orientam, já que têm a batuta na mão, para onde podemos caminhar um pouco, para arar o campo do nosso sustento. E isto enquanto, esta manhã, um senhor presidente de uma confederação de indústrias defendia que a solução para a crise laboral é despedir mais gente e extinguir postos de trabalho. Está tudo egoisticamente cego: no lodaçal já nós nadamos a tentar sobreviver, precisamos é de gente que pense connosco a encontrar as margens limpas. Senhores com este discurso também deviam ser punidos, melhor gente que tece mais argumentos para apocalipse sem soluções para as evitar, gente com responsabilidade social, de direito, devia isso sim, ser punida. Para que servem esses MBA's da vida, essa sabedoria, essa massa crítica, esses think tanks, esses Conselhos de Estado se para esmiuçar problemas e não escalar caminhos. Nós perguntamos e ninguém sabe responder. E esta é maior das tiranias, é a maior das cegueiras. Ao menos esta Fundação de Serviço Nacional de Saúde pode ser um sinal que há esperança no azimute?  

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