terça-feira, dezembro 06, 2011

Guerra e Paz

Tenho encontrado a MJ na casa-de-banho. Deve ser o lugar de todas as purgas, a catárse colectiva pelo esvaziamento das mais básicas e essenciais funções fisiológicas. 
A primeira vez foi há duas semanas, quando a biblioteca dava a última badalada que encerraria portas. Ela (re)conheceu-me. Eu não. 

-"Vanessa Rodrigues?"

Foi um bocado assustador, confesso, porque aquela voz e aquele rosto (de uma bela senhora de olhos azuis-generosos, para que conste) não dobraram os sinos da memória. Não podia dar uma de "Grande Edgar", cf. "Comédias da Vida Privada", do brasileiro Luís Fernando Veríssimo, porque aquele apelativo com nome próprio e sobrenome era demasiado familiar. Eu tinha de conhecer a mulher que saía da casa-de-banho e proferia a onomástica certeira para a pessoa que se apresentava em frente-a-frente, com um esgar boquiaberto. 

-"Porto 2001, não se lembra? Você não mudou nada".

Em rigor ela também não, e não me recordo de ter privado assim tanto com esta delicada lady à minha frente, para que ela se recorde de vívida memória de uma miúda tão estatística quantos os outros voluntários da Porto 2001. 

Um ligeiro tinir no ferro da lembrança e, sim, claro, aquele rosto não me era de todo estranho mas tive de indagar o nome. 
Depois disso, várias outras vezes esbarrei com MJ e sempre no WC. Ainda não combinámos um chá, como se soubéssemos que haveremos de nos encontrar, certamente. 
Hoje contava-me que quase morreu num curto-circuito de casa e que está com uma terrível alergia provocada pelo cheiro dos fios eléctricos, estorricados. Teve uma inundação em casa para juntar elementos dramáticos à quase tragédia. E água e electricidade, sabemos, apesar de a última resultar da primeira, são casais incompatíveis à nascença, ao toque humano. Uma espécie de Midas fatal à corrente voltaica em disfunção liquefeita. Ao sair, disse:

- Vou reler o Guerra e Paz [de Leon Tolstoi]. Aos tempos que nós vivemos é importante para encontrarmos algumas respostas.
E foi-se, como se pontuasse o final de um silogismo filosófico. Ainda pensei se não seria uma análise da Escatologia dos Tempos Modernos. Mas, em rigor, o tempo de hoje, nada tem realmente de novo, porque as necessidades mais elementares do homem fazem dele um bicho previsível. Estamos sempre em guerra, em busca de uma paz provisória.  

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