segunda-feira, janeiro 23, 2012

bater à máquina

Também um dia, nesta relíquia escrevi (sinais de que os cabelos brancos têm já fundamento), herdada do meu avó, passada para o meu pai. Era um papel amarelo, muito fino, com pequenas letras dançantes, marteladas, negras e vermelhas, que saíam do cartuxo, - onde eu sujava sempre as mãos traquinas - filadas num tecido rubi-negro, estirado, e ondulante à ordem das teclas (hoje algumas mancas, outras reformadas), que os meus dedos imprimiam, duras. 
Clac, Zip, Plim, chegou ao fim, papel, mudar parágrafo, avançar na página abaixo, puxá-la; fazer cinema, cartas comerciais, de amor, burocracias, contas, ofícios e prosas várias; ver a cartesiana prosa tão escorreita num manto de papiro moderno, tão terno e acetinado. Foram poemas aquilo que escrevi. 
Poemas aos dez anos de quem acha que já sabe tudo sobre a vida e tem certezas, até que, tal qual uma máquina de escrever, tudo fica atrás, nesse tempo onde o tac-tac agitado, laboral de ponto picado, qual fabril obrigação, se empoeira, à espera de um dia como estes, alguém se lembre de as tirar do esquecimento, e beba com elas da liquefeita luz deste sol, a lembrar como velhos comparsas, camaradas de luta e árduas jornadas, em que outrora o futuro foram elas. Eis a Messa cá de casa. Habita o quarto, por agora, ao lado do Philips onde a minha bisavó ouvia a radionovela e a novena ao fim do dia. 


Sem comentários: