sábado, julho 20, 2013

Desaparecidos

As histórias sobre pessoas desaparecidas sempre criaram em mim uma dicotomia. Digamos que uma bipolaridade involuntária. Por um lado, a curiosidade "detetivesca" em saber o que realmente aconteceu - imaginar uma vida que se esfumou para o mundo real (quer esteja a viver outra, ou tenha partido), -  por outro um vazio estranho que  impõe um certo mau-estar. Diria uma náusea mental, um arrepio, como se o universo Frankenstein se sobrepusesse a qualquer lógica. Parece, isso, sim, um filme de ficção científica.

E as histórias sobre estes enredos, raramente (não encontrei estatísticas confiáveis sobre o caso português) têm um final feliz. Por exemplo, nos Estados Unidos, segundo o National Center for Missing Adults, regista-se, diariamente, 2300 desaparecidos. 

Não deixa, por isso, de ser surpreendente a notícia de hoje, no Canadá, de uma mulher, Lucy Johnson, 77, que foi encontrada viva, hígida, depois de ter estado 52 anos desaparecida. Diz a notícia que ela tinha já uma outra família e não avança mais pormenores, alegando privacidade familiar. 

Muitas serão, certamente, as razões que levam milhares de pessoas, todos os dias, a esfumar-se da sociedade e nem todas elas terão finais trágicos. Recordo-me que há uns anos, um colega de trabalho da minha mãe esteve uma boa semana desaparecido, sem deixar qualquer rasto. Meses depois ele voltou ao trabalho, mas as razões reais do seu desaparecimento nunca chegaram a ser divulgadas, nem ele quis falar sobre o assunto. Há momentos da vida do ser humano, presumo, em que o peso da vida torna-se de tal forma incomportável que desejamos que a cápsula da invisibilidade fosse, enfim, um medicamento de venda livre. 

Mas imagino a vida ao redor daqueles que estão ligados ao desaparecido. É também uma boa parte da vida destas pessoas que se perde, que se agarra a um ciclo psicologicamente desequilibrado. 

A Literatura está cheia de desaparecidos. Mas é, no fundo, a História que a inspira. Por exemplo, Dom Sebastião nunca chegou a dar o ar da sua graça, nem para reivindicar a herança,depois da Batalha de Aljubarrota. Nunca se soube ao certo o que aconteceu ao gladiador Spartacus. Artur I, Duque da Bretanha, esfumou-se sem deixar rasto. O mesmo aconteceu aos exploradores Miguel Corte-Real,  português, e Francisco Orellana, espanhol. O mesmo destino teve o explorador e arqueólogo Percy Fawcett, quando tentava encontrar uma valiosa cidade perdida de Z. no Brasil. A própria Agatha Christie, escritora inglesa de livros de suspense e mistério, esteve 10 dias desaparecida, embora tivesse sido encontrada depois.

 Que atire a primeira pedra quem nunca se viu tentado, por variadíssimas razões, a testar a teoria pessoal do desaparecimento, nem que fosse por instantes; nem que fosse em nome da Literatura. Mas quando refiro desaparecer, quero dizer para reinventar uma outra vida. Estou particularmente satisfeita com a minha, confesso, mas recordo-me de em 2009 pensar, ao longo das margens do Rio Amazonas, onde moram alguns ribeirinhos, que seria muito fácil alguém desaparecer por entre as margens sem deixar rasto. Ocorre-me isto, ao mesmo tempo que me ocorre o outro lado da moeda: a vida está, enfim, cheia de belas possibilidades e que podemos sempre recomeçar do zero!
 

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