quarta-feira, julho 10, 2013

Malvada letargia do deserto

Tenho travado uma luta densamente paradoxal desde que cheguei à Jordânia. Nada de grave. Eu explico: uma peleja entre a vontade de escrever algo que se aproveite e a letargia imposta pelo peso que o ar do deserto, o calor e o oxigénio rarefeito, filtrado pelos grãos de areia imperceptíveis que o vento traz. Essa apatia, inércia involuntária, entranha-se de tal forma como plasmas na pele que mexermo-nos, pensar ou criar parecem tarefas hercúleas tão contrárias à minha habitual hiperatividade. Eu juro que bem ouço o tico e teco a discutir e tenho tentado várias estratégias que contrariem e submetam a aridez ao seu lugar somente de condição ambiental. Vitaminas, água q.b., suminhos de maçã, fruta energética, café, chá preto, ventoínhas, banhos de água fria pela manhã. Enfim, debalde. Não choveu desde que cá cheguei, às vezes falta água em casa e é preciso chamar homens que dizem que chegam às sete da noite e aparecem às dez. Apercebo-me, pouco a pouco, como areia fina da ampulheta, que dias assim sugam energia vital para criar. Sou uma rapariga dos trópicos latino-americanos, do Atlântico, das Amazónias, a tentar entranhar-me no deserto. Mas não está fácil. É como vivermos um sonho, acordados, do qual não despertamos. Sabem aquela sensação de estarmos a sonhar e de termos que acordar, tentando abrir os olhos, mas as pinças das pestanas parece que se agarram, coladas. É mais ou menos isso!

Mas atenção, não que se viva numa apatia por aqui, pelo contrário, o tempo de trabalho nestas coordenadas geográficas, escasseia, buliço de tarefas que se intercalam. A luta que travo é categoricamente essa: a de o corpo emitir lentos movimentos biológicos, neuro-biológicos, quando a vontade da alma (aquilo que se transpõe à motivação, que vai além do entusiasmo, que emana de nós) é outra e a agenda se carrega de tarefas que não cessam nunca, numa reinvenção habitual de pequenos mundos onde a letargia do deserto não cabe não senhora. Tiranices, ou um complô orquestrado pelo complexo do deserto.

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